terça-feira, 3 de maio de 2011

Juno numa perspectiva eriksoniana

Erikson propõe uma concepção de desenvolvimento em oito estádios psicossociais, que decorrem desde o nascimento até à morte. Cada estádio é atravessado por uma crise psicossocial entre uma vertente positiva e uma negativa. Erikson dá especial importância ao período da adolescência, devido ao fato ser a transição entre a infância e a idade adulta, em que se verificam acontecimentos relevantes para a personalidade adulta.
Cada estádio contribui para a formação da personalidade total, sendo por isso todos importantes mesmo depois de os atravessar.
O núcleo de cada estádio é uma crise básica, que existe não só durante aquele estádio específico, nesse será mais proeminente, mas também nos posteriores a nível de consequências, tendo raízes prévias nos anteriores.
Erikson perspectivava o desenvolvimento tendo em conta aspectos biológicos, individuais e sociais.
Esta teoria psicossocial enfatizava o conceito de identidade, a qual se forma no 5º estádio, e o de crise que, sem possuir um sentido dramático, está presente em todas as idades, sendo a forma como é resolvida determinante para resolver na vida futura os conflitos.

Esquema de desenvolvimento de Erik Erikson

1. Confiança  vs  Desconfiança  (até um ano de idade)

Durante o primeiro ano de vida a criança é significativamente dependente das pessoas que cuidam dela, requerendo cuidado quanto à alimentação, higiene, locomoção, aprendizagem de palavras e dos seus significados, bem como estimulação para perceber que existe um mundo em movimento ao seu redor. O amadurecimento ocorrerá de forma equilibrada se a criança sentir que tem segurança e afecto, adquirindo confiança nas pessoas e no mundo.

2. Autonomia  vs  Vergonha e Dúvida   (segundo e terceiro ano)

Neste estádio a criança passa a ter controle de suas necessidades fisiológicas e a cuidar da sua higiene pessoal, o que dá à criança grande autonomia, confiança e liberdade para tentar novas coisas sem medo de errar. Se, no entanto, for criticada ou ridicularizada desenvolverá vergonha e dúvida quanto à sua capacidade de ser autónoma, provocando um retrocesso ao estágio anterior, ou seja, à dependência.

3. Iniciativa  vs  Culpa (quarto e quinto ano)

Neste período a criança passa a perceber as diferenças sexuais, os papéis desempenhados por mulheres e homens, entendendo de forma diferente o mundo que a rodeia. Se a sua curiosidade “sexual” e  intelectual for reprimida e castigada poderá desenvolver sentimento de culpa e diminuir a sua iniciativa de explorar novas situações ou de procurar novos conhecimentos.

4. Construtividade  vs  Inferioridade (dos 6 aos 11 anos)

Durante este estádio a criança está a frequentar a escola, o que propicia o convívio com pessoas que não são seus familiares. Este facto exigirá  maior sociabilização, trabalho em conjunto, cooperatividade e outras habilidades necessárias. Caso tenha dificuldades o próprio grupo irá criticá-la, passando a viver a inferioridade em vez da construtividade.

5. Identidade  vs  Confusão de Papéis (dos 12 aos 18 anos)

O quinto estádio adquire contornos diferentes devido à crise psicossocial que nele acontece, ou seja, Identidade Versus Confusão. Neste contexto o termo crise não possui uma acepção dramática, por  tratar-se de acontecimentos pontuais e localizado com pólos positivos e negativos.

6. Intimidade  vs  Isolamento (jovem adulto)

Neste estádio o interesse, além de profissional, gira à volta da construção de relações profundas e duradouras, podendo vivenciar momentos de grande intimidade e entrega afectiva. Caso haja uma decepção a tendência será o isolamento temporário ou duradouro.

7. Produtividade  vs  Estagnação  (meia idade)
Durante este estádio o indivíduo pode dedicar-se à sociedade realizando valiosas contribuições ou grande preocupação com o conforto físico e material.

8. Integridade  vs  Desesperança (velhice)

Neste último estádio o envelhecimento ocorre com  sentimento de produtividade e valorização do que foi vivido, sem arrependimentos e lamentações sobre oportunidades perdidas ou erros cometidos, haverá integridade e ganhos. Como contrário a isso existe a desesperança que se manifesta num sentimento de tempo perdido e na noção da  impossibilidade de começar de novo, de voltar atrás.

adaptado de Teoria Psicossocial do desenvolvimento de Erik Erikson in artigos.psicologado.com

O filme Juno retrata a experiência da gravidez na adolescência, por parte da jovem Juno (16 anos), e como esta experiência é percepcionada tanto na rapariga, como no futuro pai da criança (também ele adolescente), como também por parte dos pais da jovem Juno. Segundo Erikson, é nesta faixa etária que acontece a transição da infância para a idade adulta, desenvolvendo um sentido de identidade. Identidade vs confusão de papéis é a crise psicossocial deste estádio, tendo esta uma vertente positiva e outra negativa. «[…] uma mudança decisiva, um momento agudo de desequilíbrio. A noção está portanto associada às noções da continuidade ou da descontinuidade do desenvolvimento, e à própria validação do conteúdo dos estádios». (Roland Doron; François Parot, 2001: p.196)
Na vertente positiva, o adolescente vai adquirir uma identidade psicossocial, isto é, compreende a sua singularidade, o seu papel no mundo.
Neste estádio os indivíduos estão recheados de novas potencialidades cognitivas, exploram e ensaiam estatutos e papéis sociais, devido à sociedade potenciar este espaço de experimentação ao adolescente. É neste âmbito que ressalta um dos conceitos eriksonianos que ajuda a conferir tanta relevância a este estádio, ou seja, a moratória psicossocial.
«Esta moratória é um compasso de espera nos compromissos adultos. É um período de pausa necessária a muitos jovens, de procura de alternativas e de experimentação de papéis, que vai permitir um trabalho de elaboração interna». (Manuela Monteiro; Milice Ribeiro dos Santos, 2001: p.56)

Juno, assim como um grande número de adolescentes, tem uma evolução incompleta por ter entrado excessivamente rápido na vida adulta, devido ao facto de estar grávida, sem um amadurecimento interior, que só poderia ter sido facultado por uma boa vivência neste estádio e nos seus diferentes aspectos.
Logo na primeira cena, a rapariga aparece a carregar uma garrafa de sumo, que ela leva à boca em grandes goles. Dirige-se para uma loja de conveniência onde compra o terceiro teste de gravidez. O homem que está na caixa, num tom bastante informal e invasivo, lembra-a de que ela já fez dois testes, ambos com resultado positivo. Ela, sem se importar com o comentário, vai ao WC para refazer o teste, o qual confirma os outros dois. Ela está grávida. Juno vê a notícia como uma sentença e apercebendo-se da sua imaturidade para lidar com este acontecimento trágico, que mudaria completamente a sua vida, tenta pensar em soluções. Soluções que parecem as mais rápidas (aborto), para que tudo não passe de um pesadelo, mas que ao mesmo tempo a assombram com o que poderão ser ou trazer.
A chave para a resolução desta crise de identidade, que faz com que a adolescente se sinta isolada, vazia, ansiosa e indecisa, reside na interacção com pessoas significativas, como o Paulie (pai do bebé), com o qual vai ao longo do filme estabelecendo laços afectivos, que são escolhidas e são parte integrante da construção da sua identidade adulta.
Paulie, pai do bebé é caracterizado como um rapaz muito infantil, alienado, que parece não entender minimamente o desenrolar das acções, as suas consequências e a responsabilidade que lhe cabe em tudo isso. Ele e um amigo comentam que Juno está grávida, “assim como a mãe e as professoras ficam”. Há uma inocência na leitura desta experiência.
Erikson refere que os problemas no desenvolvimento da identidade podem culminar numa identidade difusa, caracterizada por «[…]uma noção do eu incoerente, desarticulada e incompleta», numa identidade bloqueada, caracterizada pela «[…] não permissão do período normal de moratória por questões sociais, familiares e/ou pessoais» e finalmente numa identidade negativa, em que «o adolescente selecciona identidades que são indesejáveis para a família e sua comunidade».
O versus negativo menciona os aspectos, sentimentos relacionados à confusão/difusão de quem ainda não se descobriu a si próprio, e não sabe o que pretende, tendo dificuldade em optar.
É importante contextualizar que Juno pertence a uma família desestruturada. Filha de pais divorciados, a mãe é totalmente ausente e o pai nunca criou com ela uma vinculação suficientemente forte para que esta confie nele. Foi por isso habituada a descobrir e experienciar a vida por ela própria. Este facto remete para os estádios anteriores da teoria de Erikson, sugerindo que estes não tiveram as suas crises revolvidas, na sua maioria, numa vertente positiva; acabando por influenciar o estádio da adolescência como um estádio caracterizado pela instabilidade.

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